Gás do hilariante: danos permanentes para euforia instantânea?

📝RESUMO DA MATÉRIA

• O óxido nitroso é um gás incolor utilizado em diversas indústrias, e agora vem sendo muito falado como uma substância recreativa que oferece de 1 a 2 minutos de euforia
• O gás inativa a vitamina B12 e expõe os nervos a danos permanentes, podendo levar à incontinência, incapacidade de obter uma ereção e/ou dificuldade ou incapacidade de caminhar
• Embora não tenha um consenso a respeito da definição de uso em excesso, o neurologista Alistair Noyce acredita que o uso de cerca de 10 a 15 latas mais de uma vez por semana pode atender aos critérios e pode ser suficiente para provocar danos permanentes
• A vitamina B12 está associada à saúde neurológica, cardiovascular e mental; sinais de deficiência incluem dormência e formigamento nas mãos, pernas ou pés, feridas ou úlceras na boca, visão embaçada e fadiga
• Uma deficiência menor pode ser corrigida com um aumento da ingestão de alimentos ricos em vitamina B12, mas para uma deficiência mais grave, você pode precisar de injeções de vitamina B12 ou altas doses diárias de suplementos de vitamina B12 utilizando metilcobalamina, que é a forma natural e mais absorvível do que cianocobalamina, a forma encontrada na maioria dos suplementos

🩺Por Dr. Mercola

O óxido nitroso é um gás incolor muito utilizado por dentistas para sedação e alívio da dor. O uso recreativo está crescendo em popularidade, sendo assim, também está aumentando o número de pessoas que sofrem efeitos adversos significativos. Também é utilizado para fazer chantilly e, na indústria automobilística, para melhorar o desempenho do motor.

Os usuários descrevem o impacto de inalar óxido nitroso como uma sensação de flutuação ou euforia que se dissipa em 1 a 2 minutos. O óxido nitroso também é muitas vezes chamado de balões, crack hippie, nos, noz, chargers, gás hilariante, buzz bomb, nangs e whippets.

O efeito é imediato. Também pode provocar tonturas e fortes dores de cabeça, podendo atrapalhar o raciocínio. Algumas pessoas descrevem sentimentos de paranoia de curta duração, porém intensos, que podem ser acompanhados por distorção auditiva e alucinação, sendo essa quando você ouve e vê coisas que não existem.

O óxido nitroso foi descoberto pela primeira vez em 1772 por Joseph Priestley, sendo popularizado pelo químico Humphrey Davy como um anestésico e intoxicante. Enquanto alguns acreditam que o óxido nitroso é inócuo como uma substância recreativa, outros sofreram significativos danos nos nervos relacionados à inativação da vitamina B12 que ela causa em seu corpo.

O uso em excesso de óxido nitroso é um problema crescente

Os EUA, a Austrália e a Europa relatam que o óxido nitroso cresceu em popularidade como uma substância recreativa.  O gás pode ser adquirido em cápsulas do tamanho de um batom contendo 0,2 onças (5,7 gramas), utilizadas para encher um balão do qual os usuários inalam o gás. Esses são chamados de “pequenos biscoitos” e podem apresentar um gosto ruim. O óxido nitroso também pode ser adquirido em grandes cilindros, produzindo um gás insípido e com um efeito mais forte.

Enquanto o The Guardian caracteriza o gás utilizado como “generalizado … com relativa segurança,” disse o Dr. David Nicholl, de Sandwell e West Birmingham NHS Trust, à Sky News:

"Talvez uma vez a cada 5 ou 6 anos, eu veja um paciente que teve um derrame devido ao uso de cocaína. Porém, toda semana, vejo isso em minha ala. Sendo assim, na minha opinião, esse é de fato um problema maior."

O Reino Unido está presenciando um aumento no uso, o que desencadeou conversas a respeito dos regulamentos mais rígidos em torno da venda e uso de gás de óxido nitroso. Notícias da Sky, descreve a experiência de um jovem de 20 anos que enfrenta as consequências de mudança de vida de um hábito de óxido nitroso que envolvia consumir diversas latas grandes quase todos os dias. Os exames de ressonância magnética mostram anormalidades da medula espinhal que podem ser irreversíveis.

A Sky News enviou um repórter disfarçado e descobriu que eles poderiam comprar latas com certa facilidade em lojas onde os moradores observaram jovens inalando o gás. A cada compra, o investigador disfarçado recebia um pacote de balões de festa (utilizados para inalar o gás) e não era questionado a respeito do que pretendia fazer com o gás.

Nicholl relata um crescente número de consultas ambulatoriais e admissões desde que os grandes recipientes começaram a dominar o mercado. As chamadas de emergência em Londres triplicaram entre 2021 a 2022 para incidentes relacionados ao óxido nitroso. Harry Sumnall, professor de abuso de substâncias na Liverpool John Moores University, disse à Sky News havia mais de 600.000 usuários de óxido nitroso no Reino Unido.

Gás de óxido nitroso ligado a danos nos nervos

Yahoo! News cobriu a história de Vito Oliveri, que experimentou o óxido nitroso pela primeira vez aos 20 anos. Ele utilizou em festas por cerca de um ano e depois parou até 2020, quando se mudou para Portland. Lá ele foi exposto a cilindros gigantes onde continham 20 libras de óxido nitroso, o que equivale a cerca de 1.600 cilindros individuais.

Oliveri consumiu até 500 latas de 0,2 onças (5,7 gramas) por dia durante quase um ano. Em abril de 2022, percebeu que não conseguia controlar as pernas e teve dificuldade para ficar parado. Após 1 mês, ele precisou de uma cadeira elétrica para conseguir caminhar. Em junho, Oliveri não conseguia andar e precisou ser hospitalizado e tratado. Ele e sua noiva tentaram parar diversas vezes.

Alastair Noyce, neurologista de um hospital de Londres, comentou que observou pacientes incapacitados pelo uso de grandes quantidades de óxido nítrico, incluindo a necessidade de usar andador ou cadeira de rodas, incontinência ou incapacidade de obter uma ereção. Segundo Noyce, a gravidade dos sintomas depende da extensão do dano nervoso, provocado pelo óxido nitroso que inativa a vitamina B12.

Embora seja raro que as pessoas que utilizam a droga com pouca frequência sofram danos nos nervos, Noyce também viu pacientes que tiveram danos nos nervos após utilizar uma vez apenas. Ainda segundo Noyce, não há consenso a respeito da definição de “uso em excesso,” mas utilizar cerca de 10 a 15 latas mais de uma vez por semana se qualifica.

Os usuários que desenvolvem sintomas neurológicos requerem tratamento imediato com injeções de vitamina B. Embora seja o único tratamento conhecido para danos nos nervos de óxido nitroso, nem sempre é bem-sucedido. Noyce observa que alguns tentam utilizar comprimidos de vitamina B12, mas isso não parece compensar o dano neurológico.

O óxido nitroso inativa a vitamina B12 no corpo. Esta vitamina B é essencial para manter a bainha de mielina, sendo uma camada ao redor dos nervos que os protege de danos e afeta a rapidez com que os sinais viajam pelas células nervosas. A esclerose múltipla é uma doença muito conhecida que também danifica ou destrói a mielina.

A pandemia precipitou o aumento do abuso de substâncias

Os pesquisadores identificaram um problema com o abuso de óxido nitroso bem antes da pandemia de COVID-19.  Identificar a toxicidade do abuso de óxido nitroso pode ser um desafio, pois os sintomas muitas vezes são gerais e podem imitar outras condições.

Os pesquisadores alertam os médicos para terem um alto índice de suspeita quando os pacientes apresentam degeneração subaguda da medula espinhal.

Um jornal de 2019, discutiu a apresentação de 9 pacientes, que apresentavam sintomas de mieloneuropatia e/ou baixos níveis de vitamina B12. Os pacientes nesse artigo recuperaram a força muscular dentro de 2 meses, após serem tratados com vitamina B12, mas 5 continuaram a apresentar déficits sensoriais persistentes.

As manchetes de notícias no mundo todo reconheceram que a pandemia de COVID contribuiu para um grande aumento no uso de drogas.  Uma das drogas que ganhou popularidade durante a pandemia do COVID foi o óxido nitroso. Em um estudo publicado no Journal of Neurology, a degeneração da medula espinhal estava presente em 4 dos 5 indivíduos, mas nenhum paciente apresentou baixos títulos de vitamina B12.

Todos os 5 apresentavam níveis sanguíneos elevados de homocisteína e ácido metilmalônico, o que reflete um déficit funcional de vitamina B12. Os cientistas escreveram: “Relatamos uma incidência elevada de complicações neurológicas do abuso de óxido nitroso ocorrendo durante o recente bloqueio do COVID-19.”

A vitamina B12 é crucial para a saúde neurológica e cardíaca

Além de ser fundamental para a saúde neurológica, a vitamina B12 também é importante para a saúde cardiovascular. Um estudo de 2021 avaliou o efeito das vitaminas B6, B9 e B12 nos níveis de homocisteína, pois também está relacionado ao risco de acidente vascular cerebral, distúrbios cardiovasculares e morte vascular.

A intervenção demonstrou uma redução de risco de 11% entre pacientes com AVC, 13% para AVC e de 17% para morte vascular. As vitaminas B6 e B12 também demonstraram propriedades protetoras contra a neuropatia periférica. Um estudo de 2021, procurou avaliar se B6 e B12 poderiam prevenir a neuropatia periférica induzida por vincristina, que ocorre em 40% a 45% dos pacientes que recebem esse agente quimioterápico.

Dos 102 pacientes inscritos, 81 completaram o estudo durante o qual os pesquisadores encontraram uma diferença significativa na incidência de neuropatia periférica entre os grupos de intervenção e placebo. Os dados mostraram uma redução de risco absoluto de 30% e uma de risco relativo de 54% no grupo de intervenção.

Um artigo de 2021 publicado na BioMed Research International, propôs que as vitaminas B1, B6 e B12 são peças-chave na proteção do sistema neurológico contra influências ambientais. Eles sugerem que essas vitaminas podem ajudar na regeneração nervosa, apoiando o desenvolvimento de estruturas celulares.

A vitamina B12 ajuda a combater doenças mentais

É claro que, como a vitamina B12 ajuda a proteger o sistema neurológico, ela também pode influenciar a saúde mental. Depressão afeta 264 milhões de pessoas no mundo e em 2017, cerca de 17,3 milhões de adultos nos EUA experimentaram no mínimo um episódio depressivo maior.

Um estudo de 2021 realizado com dados do Estudo Longitudinal Irlandês sobre Envelhecimento, descobriu que aqueles que tinham deficiência de vitamina B12 apresentavam um maior risco de sintomas de depressão. Os resultados mostraram uma ligação entre a deficiência de vitamina B12, mas não com a deficiência de folato. Os pesquisadores descobriram que, mesmo após o controle de fatores como doenças crônicas, doenças cardiovasculares, uso de antidepressivos, atividade física e status de vitamina D, os resultados permaneceram significativos.

A deficiência de vitamina B12 é comum na população idosa, devido à alta prevalência de má absorção. A deficiência em geral não é reconhecida, porque os sintomas são sutis e inespecíficos. Porém, caso não seja tratada, as consequências podem ser graves. Existe também uma alta taxa de prevalência de depressão em idosos. Uma meta-análise de 2021 de 42 estudos relevantes, descobriram que a prevalência média em todo o mundo foi de 31,74% e encontrou uma prevalência maior em países em desenvolvimento.

A vitamina B12 também tem sido associada à redução do encolhimento do cérebro. Um estudo de 2013²⁹, mostrou que as vitaminas B não apenas retardam o encolhimento do cérebro, mas também retardam o encolhimento em regiões conhecidas por serem mais afetadas pela doença de Alzheimer. Além disso, nessas áreas específicas, o encolhimento é reduzido em até 7 vezes.

Sinais de que você pode estar com deficiência de vitamina B12

Os sintomas da deficiência da vitamina B12 começam de forma gradual e pioram com o tempo, causando uma grande variedade de sintomas físicos e mentais, como:

Em adultos, a deficiência de B12 pode levar 6 anos para se desenvolver, sendo o tempo necessário para esgotar os estoques normais de B12. É importante estar ciente de sua ingestão e detectar uma deficiência de B12 com antecedência, pois o comprometimento do desenvolvimento do cérebro e dos nervos pode ser muito difícil de corrigir depois que o dano é feito.

A dose diária recomendada (RDA) de vitamina B12 para adultos é de 2,4 microgramas (mcg) por dia, mas há alguma controvérsia sobre se isso é suficiente, sobretudo para os idosos. Você não precisa se preocupar com uma overdose de B12, porque é solúvel em água, então seu corpo eliminará qualquer excesso.

Caso tenha uma deficiência menor, aumentar os alimentos ricos em B12 em sua dieta pode ajudar. A vitamina B12 é encontrada em tecidos de animais, incluindo alimentos como carne bovina e fígado bovino, cordeiro, pargo, veado, salmão, camarão, vieiras, aves de criação, ovos e laticínios.

A levedura nutricional é rica em B12, e é muito recomendada para vegetarianos e veganos. Uma porção de 1/4 de xícara contém de 8,3 mcg a 24 mcg de vitamina B12, dependendo da marca.

Para uma deficiência mais grave, você pode precisar de injeções semanais de vitamina B12 ou suplementos diários de alta dose de B12. O melhor tipo de suplemento B12 é a metilcobalamina, que é a forma natural encontrada nos alimentos. É mais absorvível e seu corpo o retém em maiores quantidades que a cianocobalamina, a forma de B12 encontrada na maioria dos suplementos.